Por Silviane Neno
O fotógrafo Cássio Vasconcellos percorre florestas brasileiras retratando paisagens assim como alguns artistas europeus fizeram ainda no século 19
Durante a infância, o fotógrafo Cássio Vasconcellos ouvia sem piscar as histórias que sua mãe, tias e avó contavam sobre o trisavô materno. Ludwig Riedel, avô de uma avó de Cássio, botânico por profissão, fez parte da Expedição Langsdorff, uma viagem científica ao coração do Brasil realizada no século 19, entre 1824 e 1829, com o intuito de apresentar aos europeus um país desconhecido, recém-tornado independente de Portugal A partir da travessia de Langsdorff, e outras duas expedições, artistas como Debret, Rugendas e Hercule Florence preencheram a curiosidade do Velho Mundo em torno da flora e da fauna do lado de cá, desenhando o que viam e escrevendo minuciosas descrições. Os desenhos ganharam o mundo e o imaginário de gerações, e a de Cassio de modo especial. “Além das memórias de família, eu também via gravuras e desenhos nos livros de história dessas expedições, e sempre fui apaixonado por floresta”, diz.
Um dos mais celebrados registros a nanquim da floresta virgem brasileira é a do conde de Clarac. A pintura é conservada no Museu do Louvre, em Paris, e serviu de gatilho para a criatividade e o zelo do fotógrafo paulistano, que já rodou o mundo. Em 2015, ele percorreu florestas em regiões como o Parque Estadual do Vale da Ribeira, o Parque Nacional de Itatiaia, Ilhabela e a Amazônia, todas visitadas por desenhistas do passado. No lugar de pincéis, tinta e lápis, as lentes de uma moderna Canon 6D. “Fico imaginando esses viajantes, que vieram sem nunca terem visto a floresta brasileira. Acho isso tudo muito interessante”, diz. “Esse trabalho é uma forma de criar um diálogo com esses artistas.” Não por acaso, o título da série homenageia a turma de outrora: Viagem Pitoresca pelo Brasil.
Em suas imersões na floresta, Cássio lança mão de todo um estudo técnico, que inclui desde a maneira de fotografar até a finalização no computador. Ele praticamente desenha em cima da imagem, ponto a ponto, em um processo que leva horas a fio e cujo resultado é emocionante “Não tem montagem. É muito tempo trabalhando a imagem para que ela se assemelhe a uma litografia”, diz Cássio.
O resultado da primeira parte do trabalho foi exposto na Fundação Cartier, em Paris, em 2019. Agora os brasileiros vão conhecer 19 imagens inéditas, feitas nos últimos anos, numa exposição na Galeria Nara Roesler, que representa o artista, com curadoria de Ana Maria Belluzo. Além da mostra, Cássio também lança o fotolivro Viagem Pitoresca pelo Brasil, com edição de Eder Chiodetto e textos de Ângela Berlinde, Julio Bandeira e Ricardo Cardim. Tanto a exposição quanto o livro são uma celebração da biodiversidade brasileira e um tributo à nossa tradição artística, trazendo à tona a beleza e a complexidade das paisagens naturais através de uma lente histórica e contemporânea. “A ideia é passar a mesma emoção que esses artistas provocaram 200 anos atrás.” Ideia alcançada.