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O encanto de León

Longe da multidão de turistas, a essência da Espanha se revela nessa província, onde agricultura, vinhos e gastronomia desempenham um papel central

Texto e Fotos Luciana Lancellotti

Embarcar em uma jornada pela Espanha é conhecer a paixão pela vida que a permeia. Da vibrante culinária aos edifícios que imploram para ser fotografados, o país de Cervantes exala uma energia que alimenta sua animada vida noturna, pontuada pelas siestas da tarde. Enquanto destinos como Madri, Barcelona e Sevilha frequentemente roubam a cena, eu ansiava por explorar caminhos menos conhecidos mundo afora.

Com isso em mente, deixei Madri de trem em pleno verão europeu, a partir da estação de Chamartin. O destino: a cidade de León, capital da província homônima, para depois esticar até Bierzo, quase no limite com a Galícia. A lógica é a seguinte: Bierzo é uma sub-região da província de León, que por sua vez faz parte da comunidade autônoma de Castilla y León. 

Vitrais e Gaudí

Duas horas e 15 minutos depois, chego ao meu primeiro destino. Aninhada no coração do reino durante a Idade Média, León emerge como um envolvente enclave histórico ao longo do Caminho de Santiago, rota de peregrinação que atrai viajantes de todo o mundo em direção a Santiago de Compostela, na Galícia. É uma cidade com 125 mil habitantes, cujo coração pulsa na Plaza Mayor, abraçada pelas águas serenas do Rio Bernesga.

León ostenta um rico legado arquitetônico românico, gótico e renascentista, que sobrevive como um testemunho de sua grandiosidade medieval. Por isso mesmo, para quem ama história e arquitetura, é gratificante encontrar na Plaza Regia, no Centro Histórico, a Catedral de León, uma joia do gótico que abriga a maior coleção de vitrais do país, considerada uma das mais espetaculares do mundo. 

Respire fundo antes de entrar. É quase mágico descobrir o interior da catedral em um dia de sol, com os raios de luz filtrados pelos mosaicos de vidro: impressionantes 1.800 m2 de vitrais coloridos enfeitam os amplos espaços e parecem iluminar o interior da catedral com uma luz celestial. Eles datam dos séculos 13 ao 18 e representam uma rica tapeçaria de narrativas bíblicas, históricas e alegóricas, retratando cenas do Antigo e do Novo Testamento, santos, anjos e figuras mitológicas. Cada vitral é uma obra-prima, com uma intrincada combinação de cores vibrantes e detalhes minuciosos, que criam na nave da catedral um efeito deslumbrante de luz e sombra. 

A cidade também abriga uma das três únicas obras do genial Antoni Gaudí (1852-1926) fora da Catalunha: a Casa Botines (casabotines.es), a uma curta caminhada da catedral, que hoje abriga a Fundación España Duero. O edifício, um castelo neogótico projetado pelo arquiteto catalão em 1892, já nasceu e atravessou os anos envolto em controvérsias por reunir elementos neogóticos e modernistas, divergindo dos estilos tradicionais e históricos predominantes na cidade. É um lugar bastante agradável para quem ama a arte, já que há sempre exposições, além do acervo dedicado à história do edifício, à figura de Gaudí e à arte espanhola dos séculos 19 e 20. 

Produtos locais

O destino seguinte fica a uma hora de carro: a cidade de Ponferrada, já em Bierzo, considerada a melhor base para explorar a região, considerada a melhor base para explorar a região, dadas a localização estratégica e a infraestrutura, com uma boa oferta de hotéis e restaurantes. Para ter uma ideia geográfica simplificada da região: Bierzo está limitada ao norte com as Astúrias, ao leste e ao sul com a Galícia e a oeste com a província de Ponferrada. A região é composta de 38 municípios em torno de diferentes vales na bacia do Rio Sil.

Ponferrada é também conhecida pelo Castelo dos Templários, erguido no século 12 com imensas muralhas de pedra em estilo predominantemente medieval, com influências românicas e góticas. Bem em frente a ele fica o único restaurante de cozinha de autor da cidade, o Muna, com uma estrela Michelin. Os menus degustação propostos pelo chef Samuel Naveira são embalados pelos sabores locais e tive ali uma ótima experiência gastronômica. É pequeno e vive lotado, por isso fazer reserva é fundamental. 

Pelos caminhos bercianos, encontram-se aldeias erguidas em pedra e tempo, onde agricultura e gastronomia desempenham papel central na vida local. Feiras e mercados refletem a autenticidade dos produtos regionais e sabores da terra são celebrados com orgulho e amor. De pratos tradicionais a iguarias modernas.

Os campos produtivos estão empenhados na produção de uma variedade de produtos – cerejas e pimentões vermelhos, maçãs Reineta douradas, peras suculentas, castanhas, ameixas, figos, mirtilos e as incontornáveis uvas tintas Mencía, as mais representativas da Denominação de Origem de Bierzo. Sim, a região é também um destino enológico dos melhores. E, mesmo no mundo do vinho, ainda é tratada quase como um segredo bem guardado.

Enoturismo

Na vinicultura contemporânea de Bierzo, a uva tinta Mencía é a protagonista e gera vinhos de coloração intensa, com predominância de aromas minerais e sabor potente. Já os brancos são comumente elaborados com a cepa Godello, também autóctone. Tive, aliás, boas surpresas com os brancos refrescantes e minerais que apreciei durante a viagem.

No caminho entre Villafranca del Bierzo – um dos povoados locais mais charmosos – e Ponferrada, reserve tempo para visitar ao menos duas vinícolas. Uma delas pode ser a Prada a Tope, na aldeia de Canedo, a uns 30 minutos de carro de Ponferrada. O primeiro nome da bodega, é bom mencionar, não tem nenhuma relação com a grife italiana homônima, mas com o proprietário, José Luis Prada, que estampa os rótulos dos vinhos da casa. Vez ou outra, ele aparece com seus característicos óculos Ray-Ban, cumprimentando os visitantes e hóspedes, e contando histórias. 

Nesse lugar, cercado por vinhas e colinas suaves, há várias formas de vivenciar experiências ligadas ao vinho, das degustações guiadas por especialistas a hospedagem, já que na propriedade, conhecida como Palácio de Canedo, também funciona um hotel de charme, com apenas 14 quartos. Não fiquei hospedada nele, mas tive ali um almoço agradabilíssimo, seguido de uma visita aos vinhedos e instalações, que recomendo fortemente. Pelos sabores harmonizados, pela localização, pelo atendimento. 

No terraço debruçado sobre as vinhas, foi servida uma sequência de tapas preparadas como releituras da culinária local, acompanhadas pelos vinhos da casa. Servidos com lacón berciano finamente fatiado – uma variedade específica de presunto local –, os suculentos pimientos assados têm sabor defumado e adocicado, com notas levemente caramelizadas. São preparados há décadas na propriedade, sem conservantes, seguindo uma receita familiar. O mesmo acontece com as castanhas bercianas, da variedade Parede, descascadas à mão, com passagem por três cozimentos em água e açúcar. Com textura macia, dulçor suave e sutil nota de noz, a compota foi servida sobre uma musse de limão, coroando o almoço. Vale lembrar que a vinícola produz o único espumante de Bierzo, a Xamprada.

Já para o contato com uma vinícola familiar, a Cantariña Vinos de Familia (vinoscantarina.es), em Villafranca, é um desses destinos sem erro. No topo de uma colina, uma casa branca contrasta com um céu limpo e profundamente azul, traçando o horizonte com um mar de videiras centenárias.

Tive a oportunidade de passar ali boa parte de uma manhã ensolarada, ao sabor de bons vinhos, brancos e tintos, à beira de uma mesa farta montada ao ar livre. Fui recebida por Santi Ysart, que se formou em finanças, mas foi resgatado ao mundo dos vinhos pela força do sangue. Os 11 hectares de terra em Bierzo pertenceram ao avô, don Pepito, José Álvarez de Toledo, e herdados por Santi e pelos quatro irmãos, Fade, Consu, Sonso e Jorge. A família produz sete rótulos com as vinhas locais.

Além dos vinhos da casa, Santi trouxe à mesa algumas das mais deliciosas especialidades dois tipos de chorizo, um picante, outro levemente adocicado, queijo cebreiro e fartas empanadas bercianas, de atum e battalón (com batatas e vegetais). Aqui elas se parecem com tortas salgadas, recheadas com uma combinação de ingredientes típicos e cortadas em formato retangular.

Foi um banquete a céu aberto regado com boas histórias, brindes e risadas. Vez ou outra, lá embaixo, era possível notar alguns peregrinos às margens dos vinhedos, ao mesmo tempo contemplando a região e focados em sua jornada interior. Nesse silêncio acolhedor, é impossível não se deixar tocar pela intensidade da introspecção que Bierzo proporciona. Nem que seja para agradecer por aqueles momentos, seja qual for o seu caminho até Santiago.