Equidade de gênero, no entanto, ainda tem uma longa trilha a ser percorrida no Brasil
Da Redação
Há uma breve manifestação de madre Teresa de Calcutá que se encaixa à perfeição no atual momento vivido pela luta feminina em prol da equidade de gênero. Disse ela: “Por vezes, sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota”. Sim, anos de suor e de lágrimas na busca por mais respeito, menos violência e salários iguais (nem mais, nem menos) surtiram um resultado ainda minúsculo no dia a dia. Praticamente uma gota no mar. Por outro lado, essa gota, se dessalinizada do amargo pessimismo, tem preparado o terreno para receber sementes que, em alguns anos (ou seriam décadas?), renderão frutos vistosos.
Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho do Magazine Luiza e do Grupo Mulheres do Brasil, considera que, de fato, ainda há uma longa jornada a ser percorrida. “Estamos muito longe do ideal, tanto na política quanto na economia privada”, admite. Mas acredita que as primeiras ações nessa trajetória vêm sendo firmes e decididas. O Grupo Mulheres do Brasil, por exemplo, lançou agora a campanha Pula pra 50, buscando 50% de mulheres eleitas no próximo sufrágio para o Legislativo. “Ora, somos metade da população e é muito justo que tenhamos o equivalente em representatividade”, advoga.
No caso do universo corporativo, a executiva acredita que uma das saídas a curto prazo seja o estabelecimento de cotas para as mulheres. “É uma situação transitória para acertar uma desigualdade, mas funciona”, ressalva. “Agiliza processos que levariam dezenas de anos para serem equacionados.”
Luiza Helena admite que demorou a compreender a necessidade de cotas. Só se convenceu dos resultados positivos quando essa política foi adotada pelo Magazine Luiza no caso de pessoas com deficiência. “Mesmo sendo uma empresa inclusiva, estávamos bastante defasados na questão”, diz. “Além das cotas, devem ser adotadas diversas outras ações afirmativas para desenvolvimento e incentivo. Muitas mulheres capacitadas existem. Precisamos quebrar esse paradigma.”
“O tratamento dado em geral às mulheres na sociedade ainda é cruel, embora elas estejam cada vez mais ativas em vários segmentos”, lembra Márcia Maia, presidente do Instituto Capacita-me e parceira da revista THE PRESIDENT no evento Especial Mês das Mulheres, que aconteceu no último ano no restaurante Maremonti, em São Paulo. Essa desigualdade, segundo a executiva, prejudica não só o público feminino, mas a sociedade de forma geral. Inclusive as empresas. Márcia Maia, que é irmã da inspiradora Rachel Maia, conselheira de várias companhias e empresária, retoma: “Quando não se traz diversidade de pensamento e posicionamento, você deixa de ganhar. A mulher contribui para o crescimento e para uma visão mais detalhista. Sem ela, as empresas perdem oportunidades.”
É fato que a presença das mulheres em altos cargos avançou, até por causa dos ODS 5. Em outras palavras, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, agenda mundial adotada em setembro de 2015 durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável. Ela é composta de 169 metas gerais e 17 objetivos específicos, a serem atingidos até 2030. O número 5 se refere à igualdade de gênero. O intuito é alcançá-la e empoderar mulheres e meninas a partir do fortalecimento de políticas sólidas e uma legislação exequível, em todos os níveis.
Márcia Maia continua: “Isso trouxe um pouco mais à tona a voz das mulheres”, observa. “Procurou-se um olhar mais crítico sobre para onde estão indo essas mulheres, como elas estão sendo tratadas e colocadas em cargos de tomada de decisão.” Mas a presidente do Instituto Capacita-me faz um alerta: há um agravante étnico. Ou seja, além de serem minoria nessas posições de destaque, as mulheres negras ganham 20% a menos que qualquer outro profissional branco na mesma posição, desempenhando o mesmo papel, seja homem ou mulher.
Segundo Márcia, as mulheres, em geral, estudam mais, têm mais cursos de pós-graduação e mestrado e se preparam mais. No entanto, nem sempre têm as mesmas oportunidades oferecidas aos homens. Ao contrário.
Atualmente, há 35% de mulheres ocupando a posição de CEOs e outros cargos de liderança no Brasil, número que, de acordo com Márcia Maia, ainda é muito distante daqueles apresentados nos Estados Unidos e nos países ricos da Europa. Fora a questão mencionada de igualdade salarial, ainda extremamente complicada. “As mulheres de forma geral ganham 20% a menos que os homens e as mulheres negras ganham 60% a menos em detrimento dos homens brancos”, alerta. Ela adiciona o
fato de a mulher, naturalmente resiliente, ter tripla jornada.
Luiza Trajano, por seu turno, atuou por meio do Grupo Mulheres do Brasil para a criação do Projeto de Lei de equiparação de salários, recentemente enviado pelo governo federal ao Congresso. “Vínhamos pressionando havia tempo”, relembra. “Era simples de sair. A imposição de multas pesadas no descumprimento à lei é uma excelente notícia. No caso de passar pelo congresso, será preciso, ainda, uma rigorosa fiscalização para exigir seu cumprimento.”
NETWORKING
A realidade é que embora sejam fundamentais, a habilidade e a competência não bastam para levar as mulheres ao topo. Nesse ponto, vale ouvir os conselhos da experiente Chieko Aoki, presidente do grupo Blue Tree. “Homens conhecem mais homens, são mais amigos de homens e encontram mais homens”, diz. “Com isso, indicam mais homens. A mulher para ser indicada por outro homem precisa estar no meio.” Sônia Hess, fundadora e atual vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil, faz coro com Chieko Aoki. “A mulher não sabia fazer networking de verdade. Hoje, tem vários grupos ensinando isso. Quem não se movimenta não faz a diferença”, observa. “Muitas vezes, eu tinha preguiça para ir, mas eu ia. Algo me despertou. Tem que fazer networking.”
Quer dizer, mais do que uma voz ativa, é preciso ter uma voz presente. E o que ocorre é que, com a jornada dupla ou tripla, a mulher muitas vezes deixa de sair por não ter tempo, disposição ou precisar cuidar dos filhos.
Seja como for, as mulheres precisam ter condições de estar mais presentes em encontros corporativos e de entidades e associações. Chieko se pergunta, por exemplo, quantas atuam nas Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e quantas delas em cargos de liderança. “As entidades também precisam fazer uma política para ter mulheres em cargos de liderança”, afirma. “Ainda não é uma coisa natural que elas estejam nessas entidades.”
No que se refere ao universo corporativo, há setores em que Chieko observa mais presença de mulheres que outros – caso do financeiro e de hotelaria, com muitas delas atuando como gerente geral.
Já nos conselhos de administração das empresas, Sônia Hess comenta que a maioria procura ter uma mulher no board. Mas apenas uma, vale observar, porque acabou ficando imposto que é necessário ter uma mulher.
Nesse caso, apesar da evolução, falta uma conscientização da importância de ter mais mulheres no conselho. Deve-se tê-las não por obrigação, mas pelo fato de agregarem valor à discussão e às estratégias. É claro que não se pode generalizar, mas na média é, de fato, uma mulher por conselho. “Essa mudança leva tempo e demanda conscientização”, comenta Sônia. “Uma vez me convidaram para um conselho e senti que era por eu ser mulher. Aceitei para incentivar.” Tal mudança, defende Sônia, tem de partir da cabeça do CEO ou do dono e ser legítima.
No que se refere às habilidades femininas, Sônia comenta que a mulher segue para o conselho muito bem preparada, sabe o que faz e é bastante participativa. Diz ela: “Mais de 50% dos que estão fazendo cursos no IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) e na Fundação Dom Cabral são mulheres e saem porretas em competência e sem discurso de machismo”.