Entenda o que está em jogo: não apenas a incorporação de uma nova tecnologia ao repertório operacional das agências, mas a reconfiguração dos fundamentos estratégicos da experiência ao vivo
Colaboração Ti Bernardes, Diretor Geral da Agência MAK
A aplicação de Inteligência Artificial (IA) na cadeia de valor dos eventos e do Live Marketing representa um ponto de inflexão na forma como as marcas constroem experiências, relacionamentos e valor com seus públicos. O que está em jogo não é apenas a incorporação de uma nova tecnologia ao repertório operacional das agências, mas a reconfiguração dos fundamentos estratégicos da experiência ao vivo, a partir de um novo paradigma: o da responsividade algorítmica.
No Live Marketing — um campo no qual a imersão, a ativação emocional e o engajamento físico-digital são centrais — a capacidade de entregar experiências personalizadas em tempo real redefine o que entendemos por relevância e eficácia.
Personalização em tempo real
Até recentemente, a personalização no Live Marketing era amplamente dependente de processos pré-evento: segmentações demográficas, clusters comportamentais e narrativas moduladas conforme o perfil médio do público. A IA rompe com essa lógica estática e inaugura uma abordagem adaptativa, em que o evento se molda ao comportamento de cada indivíduo à medida que ele se engaja com a experiência.
De acordo com a McKinsey, 71% dos consumidores esperam interações personalizadas, o que evidencia a demanda por experiências ajustadas em tempo real. Essa mudança é possível graças à capacidade da IA de coletar, processar e cruzar dados em tempo real — dados de geolocalização, interações em plataformas digitais, expressões faciais, padrões de movimentação em stands ou arenas, entre outros. Com isso, torna-se viável construir jornadas personalizadas, ajustadas dinamicamente para maximizar a atenção, o tempo de permanência e a conversão emocional do participante.
Essa arquitetura responsiva tem implicações profundas na concepção de espaços, interfaces, conteúdos e fluxos. Mais do que criar experiências para públicos, passamos a desenhar ecossistemas que se autoajustam com base em dados contextuais, operando em um modelo próximo ao de sistemas vivos.
IA generativa e a otimização criativa
Além da responsividade, a IA também começa a atuar sobre o próprio processo criativo. Ferramentas de IA generativa já são capazes de propor, testar e até reformular elementos de storytelling visual, textual e sonoro com base em dados de impacto emocional e receptividade. Esse recurso, que começa a ser explorado em campanhas digitais, pode ser adaptado para o ambiente ao vivo, permitindo iterar criativamente durante a própria execução do evento.
A Kantar, em relatório recente, aponta que a fusão entre dados e expertise humana — com suporte de IA — tem o potencial de “superalimentar” a criação e avaliação de campanhas, aproximando as decisões criativas de evidências mensuráveis em múltiplos canais. Aplicado ao Live Marketing, isso significa a possibilidade de testar variações de ativações em tempo real, observar métricas de engajamento (como tempo de atenção, reações faciais, sentimento social) e adaptar a narrativa da marca de forma fluida, mantendo o eixo criativo alinhado à performance emocional.
Do pós-evento à curadoria contínua
A IA também redimensiona a lógica de aprendizado nos eventos. Em vez de um ciclo linear — planejamento, execução, relatório —, a IA propõe um modelo de aprendizagem contínua. Dados captados em tempo real retroalimentam o evento enquanto ele acontece, permitindo ajustes de rota que impactam diretamente a percepção e a conversão. Isso descentraliza o papel do “pós-evento” como único momento de análise e desloca a inteligência para o tempo presente da experiência.
Além disso, as informações captadas podem ser usadas para construir modelos preditivos sobre o comportamento de públicos em ativações futuras. O evento deixa de ser um ponto isolado de contato e passa a compor um ecossistema de dados vivos, que orienta estratégias de relacionamento e fidelização a médio e longo prazo.
Limites éticos e a centralidade da inteligência humana
A incorporação da IA no Live Marketing impõe também um debate ético relevante. A personalização baseada em dados sensíveis exige políticas claras de consentimento, transparência na coleta e uso de informações, além de mecanismos de auditoria algorítmica. Não se trata apenas de viabilidade técnica, mas de responsabilidade institucional e cultural.
Além disso, é preciso reconhecer que, por mais avançada que seja a IA, ela ainda carece de elementos que são constitutivos do trabalho no Live Marketing: a leitura empática do público, a sensibilidade para o não verbal, o entendimento das nuances culturais, o domínio do tempo narrativo ao vivo. A IA deve ser incorporada como ferramenta, não como substituto da inteligência relacional e do senso criativo do profissional.
IA como infraestrutura de valor no Live Marketing
A inteligência artificial, quando aplicada com critério e propósito, pode se tornar uma infraestrutura estratégica para o Live Marketing, não apenas na perspectiva operacional, mas como catalisadora de valor simbólico e cultural. A personalização em tempo real não é apenas uma funcionalidade, mas uma nova lógica de construção de experiências — uma lógica que rompe com o planejamento linear e abraça a complexidade dinâmica do presente.
Na prática, o que temos observado é que o uso estratégico da IA nas ativações — seja em projetos de trade, endomarketing ou experiências de marca em larga escala — potencializa a capacidade de escuta, leitura e resposta em contextos cada vez mais fragmentados e voláteis.
Estamos diante de um novo campo de atuação, que exige do Live Marketing não apenas incorporação tecnológica, mas uma revisão científica sobre como criamos presença, impacto e valor no tempo real da vida.