Por Walterson Sardenberg
Assim ocorre no autódromo de Goodwood, na Inglaterra, dedicado aos nostálgicos fãs das corrida
Você não verá Colin Chapman, o ex-chefão da Lotus, atirando o boné para o alto após mais uma vitória de seus bólidos. Tampouco seu piloto Jim Clark cruzando a linha de chegada – ele, que largou na pole position em 33 de suas 72 corridas de Fórmula-1. Infelizmente, nenhum dos dois está vivo. Mas prepare-se para topar com outros nomes lendários das pistas, circulando pelo paddock, ao lado de carros, da mesma maneira, históricos.
Imagine a Lotus 72, preta, de Emerson Fittipaldi. Sim, aquela John Player Special. Ou uma das versões da McLaren de Ayrton Senna. Pois é. Mas há espaço para veículos ainda mais antigos, pilotados no passado por Jim Clark e mesmo pelo argentino Juan Manuel Fangio.
Isso ocorre em Goodwood, um autódromo construído em Chichester, no sul da Inglaterra, a partir de uma base aérea da Royal Air Force. Entre os anos de 1948 e 1966, o circuito acolheu corridas de primeira linha, mas acabou perdendo a concorrência para Donington Park e Silverstone. Acontece nas melhores famílias – até mesmo na nobreza britânica.
As atrações de Goodwood vão além das supermáquinas e corridas. Tem pubs, pistas de dança e até um reunião de cosplays
A partir dos anos 1980, o herdeiro da pista, Charles Gordon Lennox, 11º duque de Richmond e entusiasta das corridas, teve a ideia de celebrar a nostalgia, fazendo com que os mais destacados automóveis da história do automobilismo pudessem voltar às pistas e exibir-se, pimpões, ao público. O melhor: colecionadores de carros, museus especializados, equipes e pilotos aposentados e na ativa compraram a ideia. Goodwood se tornou um enclave de fãs da velocidade.
A rigor, o autódromo tem eventos ao longo do ano todo, sobretudo mostras de bólidos, à exceção do período mais frio do inverno. Mas as celebrações mais concorridas acontecem no período mais quente no Reino Unido. E há duas especialíssimas. Em julho, o autódromo acolhe o Goodwood Festival of Speed. Tem até rali de floresta e corridas de carrinhos de rolimã.
Quando organizam festas, os britânicos, como se sabe, não brincam em serviço. O festival também abriga eventos gastronômicos, shows e muita animação, reunindo mais de 100 mil pessoas. Assim vem ocorrendo desde 1993, quando houve a primeira edição. A cada ano, na realidade, o auê atrai mais gente. Em que lugar, afinal, você pode ver os ex-pilotos Jackie “Escocês Voador” Stewart e Dario Franchitti conversando nos boxes, antes de o ítalo-britânico entrar no carro usado por Jim Clark na Indy 500 de 1965 para acelerar até a lona?
Em setembro, a festa é, se não maior, ao menos ainda mais variada. É quando ocorre o Goowood Revival. Este ano o evento terá vez entre os dias 6 e 8 e irá celebrar a carreira de John Surtees (1934-2017), o único piloto campeão mundial de motovelocidade e de F1. O próprio Surtees já participou de várias edições do festival. Você pode ver maravilhas como Lolas, Maseratis, Ford Thunderbirds, Matras e uma coleção de etcéteras, soando motores V-8, V-12 e mesmo de cilindradas mais modestas. Um ensurdecedor túnel do tempo.
Sem contar as ilustres presenças. A corrida de sábado de 2023, por exemplo, reuniu antigos astros da Fórmula-1, como o inglês Jenson Button e o alemão Jochen Mass (então com 76 anos!), ao lado do ator Rowan Atkinson. Talvez você não ligue o nome à pessoa. Vamos facilitar: trata-se do comediante britânico celebrizado pelo personagem Mr. Bean.
Vale lembrar que o espetáculo não se limita ao irretocável asfalto. Uma das principais atrações do Revival é que o público também participa da brincadeira. Ativamente, por sinal. O desafio se transformou numa disputa: o grande barato é se vestir com as roupas da época das décadas de 1940, 50 e 60. Veja bem: ninguém será obrigado a tal. Pode-se trajar sem essa intenção. Ninguém reprovará. De qualquer maneira, a grande maioria dos visitantes entra no espírito da coisa.
Entre os presentes, você verá, talvez, um cosplay de Paul McCartney, com o terninho Pierre Cardin dos idos da beatlemania, ou uma garota emulando as minissaias de Mary Quant, a estilista que encurtou, na mesma época, os vestidos das inglesas. Claro: quem sabe você encontre um sósia de Collin Chapman (com o indispensável boné) ou de Jim Clark (outro fã dos bonés). O Betty’s Hair Salon, barbearia e cabeleireiro, fica à disposição para quem quiser tentar um penteado de épocas passadas. Até mesmo os fiscais e a equipe do Goodwood Revival se adequam ao figurino corrente. Utilizam macacões de outros idos.
Mas há mais. Um salão de automóveis, por exemplo. Até mesmo quem não é um fã de automobilismo se diverte. Há alguns pubs com boa cerveja, um espaço para música ao vivo e outro com pista de dança. Sem esquecer um circo, um mercado de roupas e obras de arte e um parque de diversões vintage, com roda-gigante, carrossel e sortidas máquinas de fliperama. Tem ainda mais: um campo de aviação com antigos aviões da Royal Air, jipes e tanques militares.
Assim como a Penny Lane de Paul McCartney, o Goodwood Revival é para ficar nos ouvidos e nos olhos. E na memória, of course.