Por Marcio Ishikawa
Com o lançamento do SUV elétrico EX30, Marcelo Godoy capitaneia a Volvo Car Brasil no momento mais importante de sua história
Um momento crucial, de relevância jamais vista na operação da empresa no Brasil até hoje. Essa é a realidade da Volvo Car Brasil no primeiro semestre de 2024, em meio ao lançamento do EX30, o novo SUV compacto 100% elétrico, cuja chegada vem sendo preparada há cerca de dois anos. Com ele, a marca sueca, que segue acelerando fundo no seu plano de eletrificação da frota, deve dobrar o volume de vendas.
Quem tem a missão de colocar o EX30 nas ruas e garagens brasileiras, e cumprir a ambiciosa meta de vendas, é Marcelo Godoy. No início deste ano, ele deixou o posto de diretor financeiro para assumir como CEO. Formado em economia pela Fundação Santo André e com mais de 25 anos de experiência no setor financeiro, Godoy, 44 anos, enfrenta o desafio de, pela primeira vez na carreira, liderar uma empresa. Além disso, acaba de ser empossado presidente da Abeifa (Associação Brasileira de Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores).
THE PRESIDENT conversou com o executivo – um maratonista nas horas vagas – durante o evento de apresentação do carro à imprensa. Pai coruja e de estilo caseiro, ele faz questão de mencionar a esposa, Cristiane e o casal de filhos, Alice, 4 anos, e Gabriel, 12 – o primogênito herdou o seu gosto pelo esporte e é praticante de todas as modalidades possíveis.
Sereno e descontraído, Godoy contou como está sendo o dia a dia no novo cargo e como foi a sua trajetória na Volvo. Também falou das expectativas em relação ao EX30, os planos da sua gestão e sua visão sobre o futuro da eletrificação e da mobilidade.
THE PRESIDENT _Na fala durante a apresentação, você disse que esse era o dia mais importante da vida profissional de todos da Volvo até ali, o que dá a dimensão da importância do EX30. Quais são as expectativas?
Marcelo Godoy – Com o EX30, a Volvo muda de patamar. Esse carro tem o potencial de vender sozinho o que vendemos em todas as demais linhas. Ou seja, vai dobrar o volume de vendas. Mais do que isso, o principal ponto é que, com ele, muito mais pessoas poderão dirigir um Volvo, conhecida por produzir carros mais seguros e tecnológicos.
Como foi a preparação para esse momento?
O EX30 é uma realidade para nós já há dois anos. Foi um trabalho bem intenso. Tivemos de readequar tudo, desde o processo de contas a receber até a forma como o cliente vai receber o EX30 na concessionária. Imagine que, onde a gente tem duas ou três entregas por dia, passaremos a ter sete ou oito. Preparamos a rede de concessionários, inclusive realizando testes de capacidade, pois um cliente de EX30 terá o mesmo tratamento de um cliente de XC90 (o maior SUV vendido pela Volvo, a partir de 609 mil reais). Disso nós não abrimos mão.
Com o EX30, como fica o posicionamento do line-up da Volvo no Brasil?
O EX30 chega muito bem posicionado, pois não canibaliza nenhum outro carro. Veio para ampliar a nossa linha, que já tinha o XC40, o XC60 e o XC90. (A gama conta ainda com o crossover C40, na mesma faixa de preço do XC40.) No final do ano, chega o EX90. Assim, nós vamos ampliar o leque e atingir mais clientes.
A Volvo tem a meta global de um line-up 100% elétrico a partir de 2030. Você vislumbra a possibilidade de o Brasil se antecipar a isso?
Já estamos à frente da curva. Então, sim, existe essa tendência. Mas os carros híbridos ainda são importantes em nossa equação geral de negócio e, se a gente imagina que o carro híbrido pode andar a maior parte do tempo no modo elétrico, isso ajuda e muito na questão do meio ambiente.
Qual a sua avaliação sobre a eletrificação mundo afora?
Um ponto importante é que o carro elétrico virou uma das matrizes de crescimento da China, que tinha o PIB muito focado na construção civil e agora está indo para a exportação de peças e do carro elétrico finalizado. Na Europa e nos Estados Unidos, o crescimento está um pouco abaixo do que era esperado, mas a tendência continua.
E no Brasil?
Na minha visão, o carro elétrico caiu no gosto da população. Dentre os dez carros mais vendidos no segmento premium, cinco foram modelos da Volvo, elétricos ou híbridos. Na parte de carregadores – e aí eu falo pela Volvo –, estamos fazendo nossa parte desde 2017, colocando uma rede de carregadores em locais de conveniência urbana e nas estradas. Acho que cabe a todas as montadoras, em vez de apenas colocar carros elétricos nas ruas, também pensar na infraestrutura de carregadores. O grande diferencial do carro elétrico é que ele tem um bom custo/benefício, já que a nossa energia elétrica, comparada com a de outros lugares, é barata e nossa matriz energética é muito limpa.
Falando da mobilidade de forma geral, qual é o papel do carro elétrico?
O automóvel ajuda muito na questão da mobilidade. Obviamente que outros modais são importantes, mas, dentro do ambiente em que atuamos, que são os carros, nós, da Volvo, estamos fazendo o máximo para deixar cada vez mais limpa essa mobilidade. Falando como cidadão, acredito que, para cada momento e situação do usuário, é preciso ter uma solução adequada, ou seja, um modal de operação diferente, seja carro, trem, ônibus ou bicicleta.
Recentemente novos concorrentes no mercado de carros eletrificados se estabeleceram no Brasil. Como você avalia o cenário?
O mercado está, de fato, muito mais competitivo este ano. Mas acredito que, se a gente continuar no rumo que traçamos, a Volvo estará em uma excelente posição. Da mesma forma que, quando havia só o carro a combustão, existiam os carros a combustão premium, hoje existem o elétrico e o elétrico premium. Desse posicionamento, do elétrico premium, nós não abrimos mão. Por isso, eu repito, o cliente do EX30 vai ter o mesmo tratamento e a mesma experiência do dono de um XC90.
Mudando de assunto, você pode falar um pouco da sua trajetória na Volvo antes de chegar à presidência?
Eu conheço o Luis (Rezende, atual head de Volvo Car Global Importers + Latam, que na época comandava a operação no Brasil) de longa data e já havíamos conversado sobre a possibilidade de eu trabalhar na Volvo. Em 2015, as coisas se ajustaram, e veio a oportunidade como gerente financeiro dentro da operação que cuidava do Brasil. No final de 2018, a Thyana (Otsuka, diretora financeira da época, que hoje ocupa o cargo na Volvo Espanha), uma profissional e uma pessoa incrível, que foi uma das minhas mentoras, decidiu alçar novos voos fora do país. Então eu assumi o seu cargo. Dois anos depois, toda a equipe que cuidava da operação no Brasil passou a ser responsável pela América Latina. Adicionamos também o México e os demais mercados importadores.
Como foi o convite para se tornar CEO da Volvo Car Brasil?
Em 2023, o Luis recebeu a incumbência de assumir a Volvo Car Global Importers + Latam (a estrutura global, com 60 mercados, reunindo América Latina e todos os importadores no mundo). Com esse crescimento de atribuições, foi então criada uma estrutura única para o Brasil. Foi quando recebi a proposta.
De alguma forma isso já estava em seu radar?
Antes ele tinha falado comigo sobre essa possibilidade, mas eu nunca tive a ambição de me tornar presidente. Sempre achava algum subterfúgio e desconversava. (risos) Mas, com a mudança de estrutura, veio a proposta oficial. Na noite anterior ao “sim”, em que eu praticamente não dormi, acabei concluindo: “Por que não?” Eu precisava ao menos tentar e fui de peito aberto. Não tentar era algo com que eu não poderia conviver.
Toda uma nova diretoria estreou junto com você.
Isso é muito bonito. É uma diretoria formada dentro da Volvo, com antigos gerentes. Promovemos um grupo inteiro de pessoas altamente competentes. Elas têm o DNA e o coração da marca, além de fazer as coisas acontecerem.
Como foi a transição? O que você precisou mudar em sua visão e atuação?
Eu aprendi muito na Volvo. O financeiro precisa estar muito ligado no negócio, nas decisões estratégicas, como na hora de precificar um carro. Acho que agora a grande diferença é que, estando à frente da empresa, você é o exemplo e pode afetar o cotidiano de todas as pessoas. Quando estou aqui, eu sou o espelho da empresa. Eu tenho de estar bem e deixar todos bem. Se alguém percebe que o piloto está chateado ou preocupado, há o risco de esse comportamento reverberar muito rápido. É uma responsabilidade muito grande.
Quais são os desafios que você encontrou como CEO da Volvo Car Brasil? Alguma coisa chegou a surpreendê-lo?
Além do lançamento do EX30, creio que outro grande desafio para mim é lidar com aspectos técnicos com os quais eu não tinha que lidar até então. Tive de me debruçar sobre o marketing e a parte de funcionalidades e equipamentos dos carros. Eu me cobro muito nesse sentido, pois preciso entender as coisas. Não vou entrar numa reunião para falar sobre share of voice, por exemplo, se eu não entendi o que é isso.
Como você concilia o aprendizado necessário com a rotina de um cargo com tantos afazeres?
Eu levo isso de uma forma leve, até porque sempre fui aficionado por conhecer coisas novas. Mas o principal é que tenho um time muito forte, que me ajuda muito na construção de conhecimento. São pessoas que me direcionam para o que preciso saber de imediato e o que eu preciso saber depois. Com essa ajuda, vou aprendendo toda a rotina, que é muito nova para quem teve uma formação totalmente em finanças.
Qual é o sentimento geral, depois de quase meio ano no cargo?
Eu não sei por que fiquei tanto tempo em finanças! (risos) Brincadeira à parte, eu posso dizer que estou apaixonado pela minha nova função e amando todos os desafios. Sei que é uma responsabilidade enorme. Se fosse em outra empresa, eu não sei se teria aceitado. Mas na Volvo tenho um time muito competente e que confia em mim, além de uma matriz que nos respeita muito.
Já que você tocou na questão da matriz, como é trabalhar com uma companhia sueca, que tem uma cultura corporativa conhecida por dar muita abertura e autonomia?
Os suecos são muito simples no trato do dia a dia e não ligam muito para a questão da hierarquia. Em uma discussão, todos são iguais, seja você presidente ou analista. Claro que quem ocupa o cargo mais alto entende um pouco mais do assunto, mas eles deixam claro que ninguém é melhor que os outros, que todos têm os mesmos direitos. Demora para você ter a confiança deles, mas, a partir do momento em que percebem que você sabe o que está fazendo, não se metem em nada.
Tem algum exemplo para ilustrar isso?
Um fato relevante, e recente, foi a questão do aumento de imposto de importação de eletrificados no Brasil. Sei que, em outras montadoras, a decisão veio top-down, todo o roteiro pronto e cumpra-se. Com os suecos, Luis e eu apresentamos um plano e eles só validaram. Disseram que, se era o que nós achávamos o melhor, que seguíssemos em frente. E tem outro exemplo mais simples. Em uma das minhas primeiras reuniões com a matriz, em meio a um comentário, eu disse algo como “ah, mas minha opinião não importa”. A diretora que estava comandando a reunião fez questão de se dirigir a mim e dizer que não era assim, que toda opinião era válida e bem-vinda.
“O diferencial do carro elétrico é o bom custo/benefício. Nossa energia elétrica é mais barata e tem matriz limpa.”
Como você define o seu estilo de liderança?
Eu diria que eu sou muito autêntico, muito direto. Acho que agindo assim – sem jamais ser grosseiro ou faltar com o respeito às pessoas –, você sempre estará mais próximo das soluções. Você consegue identificar os problemas com muito mais rapidez e parte para a solução. Também sou muito dinâmico e participativo. Há muitas reuniões em que me disponho a estar presente e me perguntam: “Você precisa?” Eu entro, mostro que estou presente, dou o ritmo e depois saio. Por outro lado, acredito também que todos precisam fazer a sua parte, trazer as coisas bem construídas, para que eu possa direcionar, pois eu não tenho como conceber tudo do zero junto com as pessoas.
Carros novos à parte, qual a prioridade no momento da sua gestão?
Estamos muito focados na questão do tratamento de dados dos clientes, que considero o grande diferencial da indústria hoje em dia. A partir do momento em que eu o conheço bem, posso oferecer propostas adequadas. Por exemplo, se você já tem wallbox em casa e na casa da praia, que sentido faz eu oferecer mais um? É preciso ofertas que agreguem algo ao cliente. Acho que o grande gap atual da indústria é não conhecer o cliente de verdade. A Volvo está trabalhando nisso.
Em março, você assumiu a presidência da Abeifa. Quais são os seus objetivos na entidade?
A minha ideia é dar uma voz maior aos importadores de veículos, sejam elétricos ou não, para ajudar no avanço da tecnologia e gerar muitos empregos. Temos não só as marcas, mas também os concessionários e empresas que prestam serviços com peças e acessórios. Precisamos contribuir para as discussões governamentais e, se conseguirmos disseminar o know-how, a qualidade e a segurança de nossos carros, todo mundo ganha, a população brasileira ganha. Meu sonho com a Abeifa é que a gente volte a dar a essa associação o peso que ela já teve e conseguir colaborar em todas as discussões.