The President

ENTREVISTA

Novos ares para a mobilidade

ENTREVISTA

Novos ares para a mobilidade

À frente da VOAR Aviation, Alessandra Abrão investe em 70 eVTOLs, aeronaves elétricas que prometem revolucionar o transporte urbano a partir de 2026

Por Tatiana Sasaki              Retratos Germano Lüders  

A era dos “carros voadores” chegou. Mas, diferentemente do que a ficção científica idealizou, esses veículos futuristas não são exatamente automóveis. Estão mais para um híbrido de drone e helicóptero. Vão operar como uma espécie de avião, fazendo o transporte de passageiros no perímetro urbano ou entre cidades próximas. Seu nome técnico é eVTOL, uma aeronave 100% movida a energia elétrica, que vem sendo apontada como a nova fronteira da mobilidade urbana. 

A corrida para colocar o equipamento nos ares está se aproximando da reta final e conta com um representante brasileiro entre os competidores. A Eve Air Mobility, subsidiária da Embraer, está desenvolvendo seu próprio modelo e pretende colocá-lo para operar comercialmente em 2026. Mais de 2,8 mil aeronaves elétricas já foram encomendadas à fabricante, que, em maio do ano passado, estreou na Bolsa de Valores de Nova York. Dentre as encomendas se destacam as 70 unidades para a também brasileira VOAR Aviation, companhia de aviação executiva responsável por uma das maiores aquisições de eVTOLs da Eve no país.

À frente do grande pedido está Alessandra Abrão. A economista e CEO da VOAR  vem diversificando as operações e expandindo o raio de atuação da companhia goiana. Depois da incorporação da Algar, de Uberlândia (MG), a empresária consolidou a presença da VOAR no território nacional com a aquisição da Icon Aviation em 2021.   

Com 16 hangares nos principais aeroportos brasileiros, quatro centros de manutenção especializados e uma base em Fort Lauderdale, na Flórida, Estados Unidos, a VOAR possui uma frota diversificada para fretamento executivo e transporte aeromédico. Para quem tem a própria aeronave, a companhia oferece serviços de administração, manutenção e hangaragem, respondendo pelo atendimento de cerca de 25% da frota de aeronaves executivas no país. 

A partir de agora, com a arrojada compra de veículos elétricos feita por sua CEO, a empresa vai embarcar em uma jornada de inovação. E voar mais alto do que nunca.

THE PRESIDENT - O mercado de eVTOL é apontado como o princípio de uma revolução no mundo da aviação. Para a VOAR Aviation, o que significa participar desse momento inovador da indústria?

Alessandra Abrão  De fato, está em curso uma revolução. Acredito que os eVTOLs têm potencial para impactar não apenas o setor da aviação, mas a mobilidade urbana de modo geral. É um projeto inovador, que pode realmente provocar uma mudança no transporte urbano e na maneira como as pessoas se locomovem. Para a VOAR, é gratificante fazer parte desse momento de reinvenção da indústria, que é tradicionalmente conservadora quanto à certificação de novos produtos. Estamos entusiasmados com o desafio de contribuir com a estruturação desse novo ecossistema usando nossa expertise em aviação executiva. Na verdade, vamos ampliar nosso negócio para um conceito que é mais democrático e usual. Viagens de longa distância não se fazem todo dia, mas o deslocamento nas grandes cidades é frequente, diário. Assim, temos a oportunidade de alcançar mais pessoas, promover mais missões, atuar com mais agilidade em serviços emergenciais, mantendo nosso objetivo de voar.

A mobilidade por meio de eVTOL é uma realidade que está sendo estruturada em várias metrópoles do mundo. Porém nem todos estão familiarizados com a tecnologia. Quais são os diferenciais da aeronave?

O nome eVTOL deriva de electric vertical take-off and landing. São veículos elétricos capazes de decolar e pousar verticalmente. Assim como o helicóptero, ele dispensa pistas de aterrissagem, o que permite chegar inclusive a localidades de difícil acesso, desde que o lugar disponha de uma infraestrutura de apoio. E, como o próprio nome já diz, o grande diferencial é o fato de ser movido a energia elétrica, ou seja, uma tecnologia menos ruidosa e mais sustentável para o meio ambiente. Vários segmentos de negócios podem ser beneficiados, em especial o setor de turismo. O equipamento será perfeito, por exemplo, para fazer airport shuttle, o transporte do aeroporto até resorts e hotéis que tenham demanda efetiva. Será uma opção infinitamente mais eficiente que as existentes no mercado.

Poderia falar da parceria com a Eve, fabricante do “carro voador” brasileiro?

Divulgamos, na Paris Air Show, uma carta de intenção previamente assinada da compra de 70 eVTOLs. O veículo que está sendo desenvolvido pela Eve tem capacidade para transportar quatro passageiros, além do piloto. Para esse acordo, também foi decisivo nosso relacionamento com a Embraer, com quem temos uma parceria de longa data que contempla três centros de serviços para aviação executiva. 

Quais cidades serão contempladas de início?

São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Florianópolis e Balneário Camboriú estão entre as primeiras cidades em que planejamos começar a operar. O plano é estruturar áreas metropolitanas e destinos turísticos levando em consideração as necessidades específicas dos eVTOLs, incluindo vertiportos para pouso e decolagem, além da infraestrutura de recarga elétrica.

Na criação desse novo ecossistema, quais são as atribuições da VOAR? De que maneira a experiência em aviação executiva contribui?

Vamos operacionalizar os eVTOL e desenvolver toda a infraestrutura necessária para apoio e manutenção desses equipamentos. Hoje, nosso foco está em estabelecer parcerias. Se a ideia é transformar a mobilidade urbana e complementar o sistema de transporte que já existe, não podemos ficar restritos a aeroportos e helipontos. Um supermercado pode ter um vertiponto, assim como um shopping center, um condomínio ou uma estação de metrô. Toda essa estrutura vai nascer para ser compartilhada, isto é, os demais operadores também vão se beneficiar. Nossa missão, no momento, é formatar essas estruturas. Exatamente como já fazemos com as aeronaves executivas, elencando novos parceiros e novos projetos.

A ideia de “carros voadores” não é nova. O que garante a viabilidade do projeto agora, em termos de segurança, preço e escala?

Há uma corrida de desenvolvimento, e há mais de 200 projetos associados a fabricantes de aviões e a empresas automobilísticas, todos investindo no “carro voador”. E a Eve é uma delas. São grandes aportes e as agências certificadoras do mundo, como FAA, Easa e Anac, entre outras, estão empenhadas em aprovar esses projetos.

“Há mais de 200 projetos de fábricas de aeronavese automóveis para criar ‘carros voadores'”

A capacidade energética das baterias não é um problema?

O modal vai suprir necessidades de deslocamento em distâncias curtas. Com o tempo, e na medida em que qualquer tecnologia ganha escala, a tendência é aumentar sua vida útil, baratear e miniaturizar o tamanho de seus componentes. Isso sem falar no ganho ambiental, com a redução das emissões de monóxido de carbono e do baixo nível de ruído. Outra característica da bateria do eVTOL é que ela possui diferentes ciclos de vida. Depois de usada na aviação será reaproveitada para outros fins.

O valor agregado do serviço está ligado à economia de tempo. Para que esse benefício seja percebido pelo usuário, a experiência precisa ser mais parecida com chamar um Uber do que com a espera em um aeroporto. É possível garantir uma experiência ágil em um ambiente que, por questões de segurança, demanda uma série de protocolos?

Todas as facilidades para o usuário estarão disponíveis porque a tecnologia para isso já é uma realidade. A ideia de um ecossistema é justamente proporcionar uma infraestrutura capaz de viabilizar a operação de forma ágil, de maneira que seja de fato uma transformação na mobilidade urbana. Em relação à segurança, temos duas formas de abordá-la na aviação. Uma é segurança de voo, a nível de prevenção, que a gente chama de safety. O eVTOL tem um sistema de propulsão elétrica distribuída, ou seja, há redundância de rotores em caso de pane, o que o torna o veículo extremamente seguro. A outra abordagem em segurança trata da prevenção de atos ilícitos, ou security. São Paulo é uma das cidades com mais carros blindados no mundo, então imagine o que um veículo voador pode possibilitar em nível de security para as pessoas, driblando o congestionamento e se desviando de eventos potencialmente perigosos nas ruas. É frequente a comparação com aplicativos veiculares, modelo que democratizou o transporte para muita gente. Nesse sentido, os aplicativos veiculares são bem diferentes do que está sendo proposto. Ninguém envelopou dentro de um único escopo operacional o cuidado com a mecânica do carro ou a capacitação do motorista. Nesse sentido, não há como fazer comparações com viagens de aplicativos veiculares porque teremos no setor a padronização operacional, treinamento de pessoas e uma infinidade de processos para garantir a segurança dos passageiros e dos equipamentos que são ofertados. Se a aviação como um todo fosse tratada da mesma forma que o transporte de veículos por aplicativos, haveria uma insegurança operacional muito grande.

O futuro dos eVTOLs é a autonomia, ou seja, a dispensa da necessidade de pilotos?

O futuro é autônomo. Embora o equipamento tenha, desde sua concepção, a capacidade de ser autônomo, a condução será inicialmente realizada por pilotos. E este é um dos nossos pontos de investimento: fazer a capacitação tanto de quem vai operar o equipamento como de quem dará o suporte no solo. Nesse sentido, nosso know-how com aviação executiva ajuda muito. A VOAR, além de operador, vai ser um centro de suporte para outros operadores. 

“É indiscutível que as aeronaves elétricas farão sucesso no Brasil, que tem gargalos na infraestrutura”

Como avalia o potencial de crescimento do mercado brasileiro para o segmento?

O Brasil é um país com tantos gargalos em sua infraestrutura que tudo o que é feito para facilitar o transporte tem sucesso. É indiscutível que as aeronaves elétricas vão ter sucesso aqui.

Que futuro você vislumbra?

Acredito que teremos um mundo onde esse novo modal se integre totalmente às cidades inteligentes. Ele vem, aliás, reforçar esse conceito, com tecnologia, conectividade e sustentabilidade.