Luiz Tonisi, presidente da Qualcomm para a América Latina, conta como a plataforma Snapdragon tem revolucionado o acesso aos smartphones, computadores, carros, realidade virtual e até à inteligência artificial
Por Luiz Maciel
Retratos Germano Lüders
A paixão por tecnologia sempre norteou a carreira e o estilo de vida de Luiz Tonisi, 47 anos, que comanda a Qualcomm América Latina desde 2021, quando deixou a presidência da Nokia no Brasil. Sua formação inclui o curso de engenharia eletrônica com especialização em telecomunicações na FEI (a tradicional Fundação Educacional Inaciana Padre Saboia de Medeiros, em São Bernardo do Campo, SP), o MBA Executivo pelo Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, em São Paulo) e a extensão desse MBA na Ucla (Universidade da Califórnia. em Los Angeles). À medida que evoluía profissionalmente, com passagens por empresas de distribuição de eletricidade, sistemas de radiofrequência e fabricação de smartphones, Tonisi encontrou tempo também para realizar um sonho de infância: disputar provas de automobilismo. “Já participei de corridas de Stock Car e de carros Porsche, mas nunca fui profissional”, vai logo avisando. Sempre que abre uma brecha, porém, ele não perde a oportunidade de entrar num cockpit e acelerar. Ou seja: mantém em seu hobby predileto a mesma velocidade que imprime nos negócios da Qualcomm, como ao pilotar reuniões com executivos que estão na sede da companhia em San Diego, na Califórnia, quatro ou cinco horas atrás de São Paulo, ou na China, 12 horas adiante. A Qualcomm, aliás, também fornece processadores para automóveis de ponta, com muita tecnologia embarcada. Inclusive os de Fórmula 1, como Tonisi fez questão de lembrar numa postagem recente em seu LinkedIn, referindo-se aos Mercedes equipados com Snapdragon na asa dianteira (para ajudar nas manobras em curvas fechadas) e na traseira
THE PRESIDENT _ Como é a participação da Qualcomm no mundo digital?
Luiz Tonisi – A Qualcomm é mais reconhecida como fornecedora de processadores para os smartphones para marcas como Samsung, Motorola, Xiaomi, OPPO, Honor, entre outras, ou seja, de todas as grandes marcas mundiais. Mas também equipamos computadores e oferecemos soluções para Wi-Fi e IoT (Internet das Coisas) para empresas em geral. Estamos nos diversificando e atingindo cada vez mais setores com os principais componentes de nossas plataformas e soluções, que são IA (inteligência artificial), computação e conectividade. Lançamos recentemente a marca Qualcomm Dragonwing para impulsionar justamente a demanda por soluções tecnológicas nos mais variados segmentos da economia.
O acesso à inteligência artificial é um diferencial da Qualcomm?
Sem dúvida. Desde 15 anos atrás, quando fez seu primeiro projeto de pesquisa de IA, a Qualcomm busca a liderança nessa área, lançando tecnologias fundamentais, como CPUs personalizadas, NPUs, GPUs, software e ferramentas de desenvolvimento. A IA embutida no dispositivo, nas instalações ou na rede, oferece respostas mais rápidas, melhor privacidade e mais contextualização e controle.
Como as empresas podem se beneficiar da IA e outras tecnologias em seus modelos de negócio?
Elas podem ganhar eficiência operacional para tomar decisões mais inteligentes e chegar ao mercado mais rápido, por exemplo, com o uso de soluções de automação robótica de processos (RPA), aprimoradas pela IA. Setores como energia e serviços públicos, varejo, cadeia de suprimentos, manufatura e telecomunicações passam a ter novas oportunidades e aumentam a sua vantagem competitiva.
Qual é a participação da Qualcomm no mercado brasileiro de smartphones?
Temos mais ou menos 30% de market share no mercado brasileiro de celulares. Já no segmento premium dos Androids, contando os S25 e Razr da Motorola, os Edge da Microsoft,e os Xiaomi de ponta, dominamos completamente, temos 100%. Considerando não o volume, mas o valor movimentado no mercado de smartphones no Brasil, a gente chega a ter 50% do faturamento total.
Qual o tamanho do mercado brasileiro?
É um mercado que varia entre 40 e 50 milhões de smartphones por ano, e de 4 a 5 milhões de computadores por ano. Ou seja, é um mercado importante, responsável por cerca de metade do que é movimentado nesse setor na América Latina. E está entre os dez maiores mercados mundiais da Qualcomm.
Já era assim em 2021, quando você entrou?
Não, porque o Brasil na época tinha muito 4G e a nossa liderança é muito forte no 5G. Com a entrada dele no país, a nossa participação cresceu muito.
O mercado de smartphones continua sendo o mais importante da Qualcomm?
Em termos de faturamento, sim, porque representa 80% da nossa receita. Mas estamos empenhados, cada vez mais, em ampliar a nossa participação em outros mercados. Um passo decisivo nessa direção foi o lançamento da plataforma Snapdragon X Series, que hoje equipa, além dos smartphones, os laptops de Lenovo, Dell, HP, Asus e Samsung. Enfim, todas as marcas que usam o Android ou Windows também utilizam Snapdragon de algum jeito. Da mesma forma como somos a referência em Android para o smartphone, queremos ser a referência em Windows para o laptop. Nenhum outro processador tem a autonomia que o nosso tem. Nós estamos falando de computadores que ficam 25 horas fazendo download. Os outros ficam duas, três horas, no máximo.
Qual é a participação da Qualcomm no mercado dos computadores?
Em cinco meses, já conquistamos 10% do mercado de computadores acima de 800 dólares nos Estados Unidos. Para você ter uma ideia, a AMD levou sete anos para atingir essa mesma marca. Nenhum outro processador tem a quantidade de IA que o Snapdragon oferece, nem a sua praticidade. Aqui a gente está gravando a conversa no meu computador, e no final ele pode fazer um resumo do que falamos, usando o Copilot+.
O que a IA já permite fazer em computadores e smartphones?
Por exemplo, rodar o chatbot chinês DeepSeek direto no smartphone ou no PC sem precisar acessar a nuvem. O que significa isso? Segurança, economia, ganho de tempo. Você passa a ter assistentes virtuais dentro do seu computador, capazes de marcar reuniões e reservar restaurantes, por exemplo, conforme as suas orientações. Se preferir, a assistente virtual pode dar opções de restaurantes em determinada região para você escolher antes de marcar. Tudo isso que eu estou falando não é futuro. É hoje.
Estamos entre as maiores empresas do mundo digital, com o valor de mercado de 180 bilhões de dólares.
Você tem ideia do percentual de smartphones que já estão equipados para fazer isso?
Olha, no Brasil é um mercado em pleno crescimento, porque a IA no smartphone é uma aplicação recente. Mas temos grandes ambições, porque os novos Androids que usam o Snapdragon 8 Elite, que é o nosso top, já têm uma capacidade de IA muito maior que qualquer outro concorrentes. Aliás, pela primeira vez na história, um processador de Android supera o da concorrência.
O Galaxy S25 com o Snapdragon 8 Elite, que acabou de sair, já é superior. De agora em diante, veremos teremos novos smartphones com essas capacidades, de todos os nossos parceiros. Isso significa trazer a IA para a mão do consumidor.
Qual é o valor de mercado da Qualcomm?
Estamos entre as maiores empresas do mundo digital, com o valor de mercado de 180 bilhões de dólares. O faturamento da empresa em 2024 foi de 37 bilhões de dólares, e o primeiro trimestre do ano fiscal de 2025 (equivalente aos meses de outubro a dezembro de 2024) chegou a 11,67 bilhões, aumento de 17% em relação ao mesmo período de um ano atrás. Crescemos muito durante a pandemia, quando todo mundo trocou de smartphone, computador, wi-fi. Depois, com o mercado abastecido, as vendas recuaram momentaneamente, mas já voltaram a crescer. Em 2024, aumentamos em 7% o faturamento global. O Brasil é fundamental para a Qualcomm não só para a estratégia da empresa, como também para o desenvolvimento tecnológico da América Latina. Por esse motivo, as perspectivas para o crescimento no Brasil são bastante positivas.
A companhia tem uma meta de crescimento para os próximos anos?
Nossa meta é chegar em 2029 com fontes de receita mais equilibradas e diversificadas. A ideia é manter nossa posição de liderança no mercado de smartphones, mas investir mais nos outros segmentos citados, que têm um potencial maior de crescimento. De forma que a receita de produtos para computadores e soluções de wi-fi e IoT para empresas em geral responda por metade do nosso faturamento dentro de cinco anos, enquanto a outra metade da arrecadação venha do mercado de smartphones. Nossas tecnologias têm a capacidade de transformar os mais variados setores. Na indústria automobilística, por exemplo, temos diversas soluções no Snapdragon Digital Cockpit, como plataformas de conectividade 5G, wi-fi e Bluetooth, soluções de direção automatizada baseadas em IA, soluções de infotainment e muito mais.
Essa meta já estava estabelecida quando você foi para a Qualcomm?
Ainda não havíamos anunciado oficialmente, mas ela já era o grande foco da empresa. Ou seja, queremos transformar a Qualcomm de uma empresa que só fazia B2B em uma companhia B2B2C, voltada também para o consumidor final. O desafio é como trazer a IA para a mão dos consumidores no Brasil e no mundo, definindo como desenvolver os canais para isso, calcular os investimentos necessários e formar parcerias estratégicas.
Comandar a Qualcomm América Latina também é seu maior desafio profissional?
Acho que toda empresa nova ou todo negócio novo é sempre o maior desafio de qualquer executivo ou empreendedor. Mas, sem dúvida, pegar uma companhia cuja trajetória foi focada no mercado de smartphones por mais de 20 anos e transformá-la numa empresa muito mais diversificada, em apenas cinco anos, é um baita desafio, o maior que eu já tive.
A Qualcomm tem outros investimentos no Brasil, além dos produtos digitais?
Sim, a nossa divisão Qualcomm Ventures investe em 12 empresas no Brasil, entre elas quatro unicórnios, como são chamadas as startups com valor de mercado acima de 1 bilhão de dólares. São elas a QuintoAndar, a Loggi, a CargoX e a Nubishop.
O presidente mundial da Qualcomm também é brasileiro. Isso ajudou na sua nomeação?
Na verdade, foi uma feliz coincidência. O Cristiano Amon chegou ao posto de CEO global da Qualcomm no mesmo ano em que assumi a divisão brasileira, mas a carreira dele foi toda construída nos Estados Unidos, onde vive há 25 anos. Antes de assumir a presidência, ele era responsável pela divisão de pesquisa e desenvolvimento da companhia.
Na sua rotina acelerada ainda sobra tempo para tirar férias com a família e passar os fins de semana longe do trabalho?
Dizer que eu não levo trabalho para casa seria mentira, porque às vezes tenho de responder e-mails urgentes e fazer call com diretores baseados em outros países. Mas sempre que possível passo os fins de semana com minha mulher e minhas duas filhas na casa de campo que temos num condomínio em Porto Feliz (SP). Ali eu gosto de correr, jogar tênis, curtir a natureza. Não dá para tirar férias de 30 dias, por exemplo. Por isso, aproveito as emendas de feriados para viajar durante uma semana ou dez dias com a família. Meus compromissos profissionais também exigem muitas viagens. Chego a passar 90 dias por ano no exterior.
E você acha tempo para cuidar da forma física numa semana normal de trabalho?
Eu procuro ir duas ou três vezes por semana à academia, em horários alternativos: ou muito cedo ou bem tarde. Estando em São Paulo, faço isso regularmente.
Continua disputando provas de automobilismo?
É uma paixão minha. Por isso, estou sempre pronto para participar de uma, nem que seja dirigindo o carro-madrinha. Acompanho todas as provas de Fórmula 1 e de outras modalidades que puder. A Qualcomm está presente na Stock Car também, tanto como fornecedora de equipamentos como patrocinadora. (Onde atua para reduzir o arrasto.)