As piscinas de onda são o novo sonho de quem quer evoluir no surfe, mas não tem tempo de ficar na praia esperando pelas ondas
Por Adrian Kojin
Se perguntassem qual o esporte praticado pelo presidente das organizações Globo e também por um dos herdeiros da Gerdau, além de um dos fundadores da XP Inc. e do tesoureiro da Goldman Sachs no Brasil, qual você acha que seria a resposta? Golfe, provavelmente. Outras possibilidades incluiriam polo, automobilismo, iatismo e tênis. O que pouca gente sabe é que os donos dessas posições de destaque são apaixonados pelo surfe. Mais ainda, eles estão entre os frequentadores exclusivos da grande novidade do esporte: as piscinas capazes de produzir ondas perfeitas. Essas maravilhas são compatíveis com as necessidades de quem está em cargos que exigem uma enorme dedicação. Com ondas entrando com hora marcada e sem precisar de disputa, tudo fica mais fácil, o nível técnico evolui e a curtição bate lá em cima. Atendendo à máxima de que tempo é dinheiro, as piscinas se encaixam na rotina dos surfistas que querem se dedicar ao esporte, mas não têm a disponibilidade para ficar de boa na praia. Elas já existiam como conceito há um bom tempo, mas nunca haviam se materializado de forma plena. Acabaram se beneficiando de um enorme salto tecnológico ocorrido na engenharia de produção de ondas nos últimos anos. De meros tanques de espuma, passaram a reproduzir as condições dos mais celebrados picos de surfe mundo afora.
Entre as mais desejadas, por serem as que oferecem as ondas mais perfeitas, potentes, longas e tubulares, estão três piscinas. Anote: o Surf Ranch de Kelly Slater, em Lemoore, em meio ao deserto da Califórnia, a Boa Vista Village, no luxuoso condomínio da JHSF em Porto Feliz, no interior do estado de São Paulo, e a mais espetacular de todas, recém-inaugurada nos Emirados Árabes, a Surf Abu Dhabi. Na verdade, há ótimas piscinas da Alemanha ao Bahrein, e até mesmo em lugares bem próximos das praias. No Brasil, a Surfland, localizada em Garopaba (SC), um tradicional polo do surfe brasileiro, tem operado com grande sucesso. Mas, como no surfe praticado em meio à natureza, existem ondas e ondas, e as de Abu Dhabi são as mais cobiçadas. Em parte por serem uma novidade só experimentada por poucos. Aliás, pouquíssimos. No caso dos brasileiros, excluindo surfistas profissionais do porte de Gabriel Medina e Filipe Toledo – convidados de Kelly Slater para as sessões de teste, que se deram em novembro de 2023 –, ninguém ainda havia provado de suas ondas cristalinas. Isso até o histórico mês de setembro. Foi quando um grupo de brasileiros teve a honra de ser o primeiro a surfar na água salgada da piscina de Abu Dhabi – esse sendo outro de seus diferenciais em relação às demais piscinas, todas de água doce. A viagem, organizada por uma agência baseada em São Paulo, a Nivana Super Trips, especializada em criar experiências únicas para os surfistas mais exigentes, teve dez participantes. O pacote, ao custo aproximado de 70 mil reais por pessoa, dá direito a dois dias de surfe, com a cota de 12 ondas por dia para cada surfista, mais a utilização da estrutura do complexo Surf Abu Dhabi e a hospedagem num luxuoso hotel cinco estrelas.
Incluído no pacote e fundamental para que os surfistas possam conferir e aprimorar suas performances, o registro de tudo que acontece dentro da água fica a cargo de uma equipe com três dos mais consagrados fotógrafos e videomakers especializados em surfe. Eles são assessorados por uma moto aquática, que acompanha o surfista em todo o percurso da onda. Nivaldo Oliveira Jr., o Vavá, proprietário da Nivana e surfista de vida inteira, comenta: “O surfe na piscina não substitui o surfe no mar. São duas atividades complementares, e as duas sensacionais. O que oferecemos é a garantia de que o cliente vai pegar as melhores ondas da vida dele”. Como exemplo, ele dá a busca pelo tubo, o sonho máximo de quem pega onda. É quando a prancha e o surfista desaparecem de vista, recobertos pelo cilindro de água, acelerando em alta velocidade. “No mar, pegar um tubo é muito mais difícil. Requer uma combinação muito mais complexa de fatores, que vão desde a habilidade do sufista, passando pelo preparo físico e conhecimento do pico, até as correntes marítimas e o número de pessoas disputando as melhores ondas. Na piscina, as dificuldades são amenizadas e as facilidades aumentadas.”
“O surfe na piscina não substitui o surfe no mar. São duas atividades compementarares e sensacionais.” Nivaldo Oliveira Jr.
Vavá prossegue: “O perfil do cliente que levo para o Surf Ranch, e agora também para o Surf Abu Dhabi, é o de um cara diferenciado. Em geral superbem-sucedido na profissão, ele é muito ocupado e só tem tempo de surfar nos finais de semana. Quando viaja para pegar onda, é funda- mental que tenha o máximo de ondas perfeitas no curto prazo de lazer de que dispõe”. Um dos presentes na estreia do Surf Abu Dhabi foi Renato Dhiel. Com 52 anos e sócio do escritório Dhiel e Cella Advogados, de Porto Alegre, ele atua desde 1993 na área jurídica, focado em questões tributárias. No surfe, ele começou menino, com 7 anos de idade, e já sonhava com a possibilidade de piscinas com ondas perfeitas. Ainda que não acreditasse que isso fosse se concretizar em seu tempo de vida. Só que o surfe cresceu de tal maneira que o que estava apenas na imaginação de Dhiel se tornou realidade muito antes. “Eu tinha ido duas vezes à piscina do Kelly Slater, na Califórnia, e agora surgiu a oportunidade em Abu Dhabi. Fiquei impressionado. Fiz uma viagem rápida, basicamente para surfar, e me surpreendi em todos os sentidos. Embora o custo seja alto, eu diria que o dinheiro investido vale cada centavo. É um marco para o esporte”, diz ele.
Outra observação interessante de Dhiel sobre sua experiência em Abu Dhabi diz respeito à exclusividade do destino e às ramificações que isso pode proporcionar. “Evidentemente que quem pode ir são pessoas em situação privilegiada. A gente vê executivos, profissionais liberais, médicos, advogados, enfim, gente que tem o surfe como paixão e está lá, interagindo. Isso acaba proporcionando um momento de troca, de alegria, em que pode rolar um networking capaz de trazer reflexos inclusive no âmbito profissional.” Seria então o surfe o novo golfe, como foi profetizado de maneira um tanto quanto irônica na mídia especializada em surfe quando o fenômeno das piscinas começou a tomar força? Os dois esportes têm origens bem diferentes, mas uma característica pouco conhecida em comum: ambos foram proibidos durante um período de suas histórias. Por decisão do rei Jaime II, da Escócia, o golfe foi censurado em 1457, apontado como uma diversão que comprometia os interesses da nação. Já o surfe quase não sobreviveu ao banimento decretado pelos missionários calvinistas, que, ao aportarem no Havaí, no século 19, enxergaram uma ligação com atos libidinosos, no esporte praticado por homens e mulheres em trajes sumários.
A outra grande conexão entre os dois esportes se dá com Kelly Slater, 11 vezes campeão mundial e considerado o melhor surfista de todos os tempos. O segundo esporte dele é o golfe. Justo Slater, que liderou a criação das duas melhores piscinas de ondas do planeta. Mas a coisa meio que para por aí. A grande maioria dos surfistas diria sem titubear que o surfe não é o novo golfe e nunca vai ser. O que não impede que a atmosfera de clube de campo, onde parceiros de esporte aproveitam também para falar de negócios, permeie, por exemplo, um campeonato de surfe para lá de exclusivo, apenas para convidados, como o realizado recentemente na piscina da Boa Vista Village. O evento foi um grande sucesso, contou com surfistas como Richard Johannpeter entre os finalistas e o publicitário Nizan Guanaes na plateia posicionada junto ao gradil. Dali foi possível conferir bem de perto uma emocionante demonstração dos medalhistas olímpicos brasileiros